quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Trecho de o Lobo da Estepe.


Quando o senhor ouve rádio, ouve e vê a luta ancestral entre a idéia e o fenômeno, entre eternidade e o tempo, entre o divino e o humano. Assim como o rádio despeja a música mais sublime do mundo sem distinção nos lugares mais impossíveis, nos salões burgueses e nas águas-furtadas, e em meio a ouvintes que discutem, que devoram alimentos, que bocejam ou que dormem, assim como rouba a essa música sua beleza sensual, estraga-a, arranha-a e lambuza-a e todavia não consegue matar de todo seu espírito - assim também a vida, a chamada realidade, trata a sublime imagem do mundo, permite acompanhar em Händel uma informação sobre a técnica de manipular os balanços das empresas industriais de médio porte, faz da prodigiosa ressonância da orquestra uma mixória, introduz sua técnica em todos os lugares, sua atividade febril e sua miserável incultura, entre a idéia e a realidade, entre a orquestra e o ouvido. A vida é toda assim, meu filho, e temos de deixá-la ser assim, e se não formos idiotas devemos rir-nos dela. Pessoas do seu nível não devem criticar o rádio ou a vida. Aprenda primeiro a ouvir! Aprenda a levar a sério o que merece ser levado a sério,e a rir e tudo o mais! Ou será que o senhor conseguiu fazer algo melhor, algo mais nobre, mais prudente, mais gracioso?