quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Lya Luft


"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

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Canção da Mulher que Escreve - (Lya Luft)

Não perguntem pelo meu poema:
Nada sei do coração do pássaro
Que a música inflama.
Não queiram entender minhas palavras:
Não me dissequem, não segurem entre vidros
Essas canções, essas asas, essa névoa.
Não queiram me prender como a um inseto
No alfinete da interpretação:
Se não podem amar o meu poema, deixem
Que seja somente um poema.

(Nem eu ouso ergue-lo entre meus dedos e perturbar a sua liberdade).

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

As mulheres de cada dia - Nietzche em Crepúsculo dos ídolos.

Quando a mulher possui virtudes masculinas, nao há quem resista a elas; quando nao possui vistudes marculinas, é ela que nao resiste.

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Entre mulheres. - "A verdade? Oh, nao conheces a verdade! Nao é ela um atentado contra o nosso pudor?

-

O homem criou a mulher - com que, afinal? Com uma costela de seu deus - de seu "ideal"...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

E se - Greta


Serei fuga, mas não sua,
ao todo partirei,
e nunca mais serei pedaços,
Fatos!

Quando eu desaparecer,
tu irás saber,
nem rastro,
nem cores,
sem medo,
ou dores,
Árduos!

Assim pálida irei,
formas cinzas e fumaças,
costas a um todo,
inteira,
olheira,
Trêmula!

Agora não se mova,
não morra,
não me queira em pedaços,
Beba!

Engula o desejo,
os gostos,
as formas,
o cheiro,
Otário!

Já pertenço a outros hálitos!



quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Dita Parlo



Greta: A missão de Dita, como ela mesmo declarou, era dar poder ás mulheres e estimular o debate - A repressão sexual é muitas vezes a grande responsável pelo mau comportamento - disse ela, assumindo o ponto de vista de que sexo é um tabu porque o mundo ocidental conserva uma longa tradição de manter silêncio sobre o assunto.
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Erótica, romance
Meu nome é Dita
Serei sua anfitriã essa noite
Eu gostaria de colocar você em transe
Se eu pegar você pelas costas
Entrarei em tua mente
Quando você menos esperar
Quando você tentar rejeitar
Se eu estiver explosiva
Vou tratá-lo como uma criança

Há uma certa satisfação em um pouco de dor
Posso ver que você entende
Posso dizer que você é o mesmo
Se estiver com medo, erga-se
Firo apenas aqueles que amo
Eu não acho que você saiba o que é a dor
Eu não acho que foi dessa forma
Te darei muito prazer
Irei até você quando disser
Eu sei que você me quer
Não quero te ferir
Não vou te ferir..

Dita Parlo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Volúpia - Florbela Espanca


No divino impudor da mocidade, dou-te o meu corpo prometido à morte. Trago nele um vinho forte, meus beijos de volúpia e maldade, canta Florbela.


Volúpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!
E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…


Florbela Espanca(1894-1930)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Poema - Mario Quintana


Tão nossa
e tão além
- a que mundo pertences, Greta Garbo?
Oh, desde os laranjais em flor:
Ana...Cristina...Margarida...tantas
e tantas...como te amei...Visão!
As outras
agora
é que me parecem irreais
-sombras que se esvaíram numa tela...
Tu? Não!
Instante e eternidade
o teu sorriso é imemorial como as Pirâmides
e puro como a flor que abriu na manhã de hoje!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

E eu que só sei de mim - Greta

Só sei de mim,
e as vezes até basta,
e passa.

Outras horas vejo eu em mim,
e por vezes fora de mim,
nem parece gente contente

Do lado oposto o contra-gosto,
o que sinto e
o fora do previsto.

E o que não estava escrito é quando volto,

e vôou de mim.


Que mal faz se estou em mim ou fora de mim?

Greta.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008


"A tristeza me recobre
E mando a cerveja goela abaixo
Peço uma bebida forte
Rápido
Para adquirir a garra e o amor de
Continuar!"

Charles Bukowski



Greta Garbo dedica:

- Ao querido Zaratustra que me colocou em contato com Bukowski há alguns anos atrás.

- A sua argumentação e paciência que sempre se faziam presentes, quando eu, com pouco conhecimento e muita petulância, dizia que os escritos do velho não passavam de pornôs baratos.


C.Bukowski escreveu a vida em sua própria língua.
Ele é o ícone dos marginais..
Greta

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Trecho de Madonna 50 anos - Pág 29



Madonna não cresceu com um modelo constante de maternidade e isso proporcionou a ela um modo alternativo de ver o mundo. Em 1976, a poeta feminista Adrienne Rick escreveu " Mãe significa a vítima que existe dentro de nós, a mulher que não é livre, a mártir." Em sua devoção impecável e fervorosa à religião e à família, a Madonna mãe ofereceu um modelo de abnegação.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Tamara de Lempicka (1898-1980)


Bela, emancipada, moderna e escandalosa, personagem das noitadas nova-iorquinas e dos salões parisienses de Arte, Tamara de Lempicka encarnou a 'folia' dos 'anos loucos' – as décadas de 20 e 30 do século passado. Sua vida e sua obra trafegaram entre os hotéis de luxo, os automóveis conversíveis, os amores bissexuais, os lazeres chic, e as amizades graúdas – D'Annunzio, Greta Garbo, Picasso, Jean Cocteau e André Gide, entre outras celebridades da época. Eram esplendores que camuflavam o abuso de cocaína, a depressão, as dificuldades nas relações familiares e, por fim, a solidão.Maria Gurwik-Górska, ou 'Tamara de Lempicka', nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 1898. Sua mãe, Malvina Decler, era uma socialite de origem polaca; seu pai, um advogado judeu nascido na Rússia. Mas logo se divorciariam. Maria estudou em Lausanne, na Suíça, e cresceu paparicada pela avó Clementine, uma senhora rica que elevava sua auto-estima incentivando-a a se tornar uma menina 'extraordinária'. Em 1911, é Clementine quem a acompanha em sua primeira viagem à Itália. Visitam Florença, Roma, Veneza e desembarcam em Montecarlo onde, todas as noites, a avó se diverte no Cassino. Após a morte de Clementine, Maria se muda para a casa de uma tia em São Petersburgo onde, num baile de máscaras, conhece o nobre advogado polonês Tadeusz Lempicki. Em 1916, numa cerimônia à qual se refere como 'fábula' – mas que provavelmente não passou de um simples matrimônio civil –, Maria conquista o solteiro mais cobiçado da cidade e, 4 anos após, dá à luz sua filha Kizette. É em Paris, no entanto – para onde foge após a Revolução bolchevique –, que Maria encontraria seu verdadeiro destino. Adota um novo nome – 'Tamara de Lempicka' – e, em 1918, vai estudar Pintura na Académie de la Grand Chaumière, tornando-se discípula do pós-impressionista Maurice Denis e do neocubista André Lhote. Do primeiro, herdará o colorido brilhante e sólido; do segundo, o desenho geométrico e a maneira de decompor os volumes. Em 1922, expõe no Salão de Outono – sua primeira coletiva –, mas seu estilo já é inconfundível. Os volumes agigantados, a atenção aos detalhes, o delineamento simples, e a materialidade quase explosiva de seus temas já consubstanciavam um estilo pessoal. São retratos que, freqüentemente, utilizam a técnica do trompe-l’oeil, alternando efeitos que vão de um gélido glamour à palpitante sensualidade. Amigos, amantes e sua adorável filha Kizette – com quem nunca conseguiria manter uma relação equilibrada –, animam suas telas. Em 1925, realiza sua primeira exposição individual, em Milão, e exibe seus trabalhos na primeira mostra art déco de Paris. De 1926 à metade dos anos 30, se transforma numa verdadeira diva. Já divorciada do primeiro marido, vive uma vida de sonhos. Seus retratos se valorizam e os jornais lhe dedicam extensas matérias. Sua casa-estúdio parisiense, decorada pela irmã arquiteta, torna-se um exemplo de modernidade e elegância. Pegando carona em seu sucesso, a empresa Revlon – fabricante de cosméticos –, lhe dedica uma marca de batom. Por essa época, retrata o Rei Alfonso XIII da Espanha e a Rainha Elizabeth da Grécia. Em 1933, se casa com o Barão Raoul Kuffner – seu ex-mecenas –, e em 1939 se transfere para Beverly Hills, na California. As festas e o jet set hollywoodiano não bastam para salvá-la da depressão, que agora se expressa também em suas telas. Em 1941, após conseguir retirar a filha da Paris ocupada pelos nazistas, organiza em Nova Iorque uma mostra focada em temas religiosos e na 'gente comum': um retumbante fracasso. Em 1943, se muda para a Big Apple. Mais tarde, ainda tenta novos caminhos, através do Abstracionismo e da pintura a espátula, técnica esta que adota nos anos 60. Mas a crítica e o público não a seguiriam. Após a morte do marido, em 1962, para de pintar e se muda, primeiro para Houston, no Texas, e em 1978 para Cuernavaca, no México, aonde viria a falecer, em 1980. Conforme expresso em seu testamento, suas cinzas foram dispersas, pela filha Kizette e o Conde Giovanni Agusta, sobre o vulcão Popocatepetl. Entre os admiradores e colecionadores de sua obra figuram personalidades como o ator Jack Nicholson e a cantora Madonna, que a homenageia nos videoclips de Express Yourself e Vogue.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A crise - Torquato Neto


I
(Ao redor de minha mesa no escuro
cadeiras imóveis que reclamam corpos
e não vêm)


Como um derradeiro suicida de após bomba
procuro aniquilar o inseto impossível
que continuo sendo
a zumbir sobre a minha própria cabeça
em mirabolantes circunvoltas.
Há em tudo uma extensa camada de sossego
que inquieta. O medo
tece invisíveis teias de pavor sobre o meu corpo.
Caras que não podem esbugalhar-se mais
observam impassíveis a destruição do mito.
E não choram.

II
Uma rosa branca nasceu no inferno.
Pudesse ser um consolo
e eu me agarraria a isto e não veria coisa alguma além.
Mas hei de . E o lutar anda muito inglório
atualmente.

Pergunta: Porque não mais sentir o inseto
apagando a cabeça?

Continuar poderia ser mais
ou menos,
mas não é.
O inseto vôa baixo e nao abaixa
sobre minha cabeça.
Rodo. o inseto vôa muito alto.
Viro. Subo. Salto.
O inseto sobe mais e sobe mais um pouco
e some. Mas a sua presença continua doendo
como se ele estivesse mesmo
encravado no meu fígado.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Cecília Meireles


(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."


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Lua Adversa.

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém (tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Um pouco mais de Pitadas de Alice Ruiz.


Já que você não aparece,venho por meio desta
devolver teu faroeste,o teu papel de seda,
a tua meia bege,
tome também teu book,
leve teu ultraleve
carteira de saúde,
tua receita de quibe,
de quiabo,
de quibebe,
do diabo que te carregue,
te carregue,
te carregue teu truque sujo, teu hálito,
teu flerte, tua prancha de surf,
tua idéia sem verve,
que nada disso me serve
Já que você não merece,
devolva minhas preces,
meu canto, meu amor,
meu tempo, por favor,
e minha alegria que,
naquele dia,
só te emprestei por uns dia
se é tudo que lhe pertence.

PS: Já que você foi embora por que não desaparece?
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terça-feira, 23 de setembro de 2008

Pitadas de Alice Ruiz.


Na esquina da consolação
com a paulista
me perdi de vista
virei artista
equilibrista
meio mãe
meio menina
meio meia-noite
meio inteira
inteiramente alheia
toda lua cheia.
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Depois que um corpo comporta outro corpo, nenhum coração suporta o pouco.
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Sem saudade de você
sem saudade de mim
o passado passou enfim.
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Vontade de ficar sozinha
só para saber
se você ia
ou vinha
quando deixou
esse bagaço
no meu peito
pedaço estreito
defeito na mercadoria
do jeito que você queria.
------
Ainda me viro
e me vejo
pronta a te chamar
a te contar
que aprendi hoje
coisas que você soube
ainda te vejo
em cada bicho
em cada pensamento
me surpreendo olhando
com teus olhos de pesquisa
e o que vejo
vira beleza.
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Olhar o mesmo olho
com outros olhos

em outro olhar
o mesmo olho

nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

1984 - George Orwel - Pág. 151


Graças à falta de compreensão, permaneciam sãs de juízo. Apenas engoliam tudo, e o que engoliam não lhes fazia mal, porque nao deixava resíduo, do mesmo modo que um grão de milho passa, sem ser digerido, pelo corpo de uma ave.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Trecho de 1984 (pág.121/122) - George Orwell


- Já fizeste isto antes?
- Naturalmente. Centenas de vezes... quer dizer, muitíssimas vezes.
- Com membros do Partido?
- Sempre com membros do Partido.
-Do partido interno?
-Não, com aqueles porcos, não. Mas há uma porção que gostaria de tirar proveito, se tivesse oportunidade. Não são tão santos quanto pretendem.

O coroção dele deu um salto. Muitíssimas vezes, dissera ela. Oxalá tivessem sido centenas.. milhares. Tudo quanto cheirasse a corrupção o enchia sempre de ardentes esperanças. Quem poderia saber? O Partido talvez estivesse podre sob a crosta; seu culto da severidade e a autonegação podiam ser apenas uma máscara da iniquidade. Se pudesse infeccioná-los todos com lepra ou sífilis, com que prazer o faria! Tudo que servisse para apoderecer, debilitar, minar!

Ele puxou-a para baixo, fê-la ajoelhar-se à sua frente.

-Escuta. Quantos mais homens tivestes, mais te quero. Compreendes?
-Perfeitamente.
-Odeio a pureza, odeio a virtude. Nã quero que exista virtude alguma, em parte nenhuma. Quero que todos sejam corruptos até ossos.
-Então eu sirvo, querido. Sou corrupta até os ossos.
-Gostas de fazer isto? Não me refiro a mim, somente. Gostas da coisa em si?
-Adoro!

Acima de tudo, era o que ele desejava ouvir. Não somente o amor de uma pessoa, mais o instinto animal, o desejo simples, indiscriminado; era a força que faria a derrocada do Partido. Apertou-a contra o chão, esmagando campânulas. Desta vez não houve empecilhos. Dentro de algum instantes, o ofegar do peito de ambos voltou ao normal, e com um agradável torpor, permaneceram imóveis. O sol parecia ter esquentado mais. Ambos tinham sono. Ele puxou o macacão abandonado e cobriu-a um pouco. Quase imediatamente caíram no sono e dormiram cerca de meia hora.

Wiston acordou primeiro. Sentou-se e ficou contemplando a face sardenta, ainda adormecida, apoiada na palma da mão. Com exceção da boca, Júlia não podia ser considerada bonita. Olhando-se de perto, descobria-se uma ruga ou duas perto dos olhos. O cabelo escuro e curto era estraordinariamente espesso e macio. Wiston raciocinou que ainda não sabia todo o nome dela, e onde morava.

Aquele corpo jovem e forte, agora completamente desprotegido, provocou nele uma sensação de pena, e proteção.Mas não voltou de todo a ternura física, orgânica, que sentira sob a aveleira, enquanto cantava o tordo. Puxou o macacão de lado e observou a pele branca e macia. Antigamente, pensou ele, um homem olhava um corpo de mulher, via que era desejável e pronto. Mas agora não era possível ter amor puro, ou pura lascívia. Não havia mais emoção pura; estava tudo misturado com medo e ódio. A união fora uma batalha, o clímax uma vitória. Era um golpe desferido no Partido. Era um ato político.


domingo, 31 de agosto de 2008

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Cala-te boca - Greta


Calate - boca,
permaneça aonde estas e
não perturbe o silêncio alheio.

Corta-te boca,
apenas sirva para afogar os
beijos e receios.

Cala-te, corta-te boca,
pois depois do que foi cuspido
o que alivia é a lâmina.

Boca corta-te, cala-te,
e ao mesmo tempo que fere
sinta o que vem rasgando.

Boca desvairada, escancarada e entreaberta,
o melhor é quando
Cala-te, corta-te

e do tanto que dói se auto destrói..

ah, cala-te boca!



quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Alegria (Para Drummond) - Fabio Rocha

E eu aqui nesta cidade,
cercado de realidade,
aumentando a minha idade,
alérgico a felicidade,
procuro flores no asfalto.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Trecho de Minha querida - Clarice Lispector


Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma.
Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro…
Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo.
Quase quatro anos me transformaram muito.
Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu…Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim.
E com isso cortei também a minha força.
Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.
Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer.
Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige.
Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.

Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Poema Desesperado - Torquato Neto

Esta noite abortei as rosas mais vermelhas
que em mim geraram a minha angustia.
Caminhando intranqüilo nesta noite
escarrarei o fel e o fogo que nasceram frutos
do fato verde, azul, oliva, negro
desta figura emoldurada em minha frente.
Desta moldura onde não encontro mais que a coisa semi-aberta
remodelando o barro desta angustia.
Em pretoazulrosavermelho - já sem pouco
o meu escarro há de deixar no imenso rastro
a marca escura desta noite apodrecida.
Transporto a face da pessoa amada
(distante como a rosa esbranquiçada
que plantei na infância em meu jardim perdido)
e aniquilo (já tranqüilo) esta lembrança amarga
dos anos dissolutos e passados.
(descubro agora: neste bar só vendem ausência)

Crianças, esperai! o poeta este perdido dentro da vida
mas há de procurá-las, esperai! há tempo ainda.
É na fogueira acessa deste tempo
que plantarei a rosa e colherei a angustia redobrada,
e me farei em fruto e carne, osso e anzol,
e negarei o fato
e aceitarei o fato.
Esta noite abortarei as rosas mais terríveis,
destilarei em álcool o feto recém - vindo
e alucinado eu brindarei a saúde do meu pranto
e atolarei em verde esta tristeza.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A História de Lily Braun
Chico Buarque
Composição: Edu Lobo/Chico Buarque

Como num romance
O homem de meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos De comer fotografia
Eu disse cheese E de close em close Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz

E voltou

Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão foi desde então Ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes-Uma rosa e um poema

Foco de luz

Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda - Ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo - Era só dele aquela noite
Eu disse please - Xale no decote
Disparei com as faces Rubras e febris

E voltou

No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus - Já vou com os meus-Numa turnê
Disse ele que agora-Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar

Nunca mais romance

Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê-la
E o mu princípio floresceu em fim.

Trecho de Passos da Cruz - Fernando Pessoa

quinta-feira, 31 de julho de 2008


Gozo VI - Maria Tereza Horta

São de bronze
os palácios do teu sangue

de cristal absorto
encimesmado

São de esperma
os rubis que tens no corpo
a crescerem-te no ventre
ao acaso

São de vento – são de vidro
são de vinho
os liquidos silencios dos teus olhos

as rutilas esmeraldas que
sozinhas
ferem de verde aquilo que tu escolhes

São cintilantes grutas
que germinam
na obscura teia dos teus lábios

o hálito das mãos
a língua – as veias

São de cupulas crisálidas
são de areia

São de brandas catedrais
que desnorteiam

(São de cupulas crisálidas são de areia)

na minha vulva o gosto dos teus espasmos.